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sexta-feira, 21 de março de 2014

Pentecostalismo à luz da Bíblia

RECONSIDERANDO A TRADIÇÃO PENTECOSTAL À LUZ DAS ESCRITURAS SAGRADAS

Uma comparação exegética do movimento moderno pentecostal com o modelo apostólico de Atos (grego transliterado)

 Prof. Moisés C. Bezerril

PARTE 1

A NATUREZA, O PROPÓSITO, E O SIGNIFICADO DE PENTECOSTES EM ATOS COMPARADOS COM O MOVIMENTO PENTECOSTAL MODERNO INTRODUÇÃO

A cultura evangélica brasileira pode ser considerada uma cultura dispensacionalista, arminiana e pentecostal. O movimento pentecostal iniciado no século XX e trazido para o Brasil em 1910 teve grande influência nas missões brasileiras, principalmente nos interiores dos estados brasileiros. Como o movimento era muito agressivo na evangelização e nas missões, muito cedo conseguiram influenciar grande parte da cultura brasileira. Nas cidades do interior, até os dias de hoje, a cultura pentecostal ainda permanece como uma suposta referência de verdadeira igreja para os desavisados. O movimento pentecostal carece muito de uma base sólida de exegese bíblica. Além do movimento pentecostal não possuir uma cultura teológica, eles também condenam o uso da letra. 

É muito comum, desde o início do movimento, usar-se o chavão “a letra mata”, para menosprezar o estudo teológico das Escrituras; por conta dessa visão para com o estudo das Escrituras, os trabalhos teológicos pentecostais para defender uma base bíblica do movimento têm se mostrado fracos na sua argumentação. Resistiria o movimento a uma análise séria das Escrituras? Alguém que defenda ou pratique o pentecostalismo o faz por que foi convencido pelas Escrituras? Normalmente, os defensores eruditos do movimento foram instruídos a partir da experiência individual, só depois é que se aventuraram em buscar base bíblica; essa é a razão pela qual o movimento pentecostal não possui cultura teológica, e boa parte do movimento ainda conta com o chavão “a letra mata”. 

O movimento pentecostal é corretamente referido neste trabalho como “a tradição pentecostal.” A aplicação desse termo ao movimento é devido à sua origem fora das Escrituras. Se a teologia pentecostal ainda carece de fundamentos bíblicos, ela permanece como uma tradição, e não como verdade escriturística. Os pentecostais fizeram opção pelas crenças pentecostais depois uma séria análise das Escrituras? Ou eles seguem uma tradição passada à quase um século, carecendo profundamente de respaldo escriturístico? Seria legítimo um conjunto de verdades que nasce a partir de uma fenomenologia humana, levando-se em conta a vunerabilidade e perversão dessa natureza? Seria suficiente afirmar que o que aconteceu no livro de Atos ainda repete-se hoje no movimento pentecostal moderno? Responder esta última pergunta é o propósito desse trabalho. 

A referência bíblica mais usada para fundamentar o movimento pentecostal moderno é, sem dúvida, o texto histórico de Atos 2, sobre o dia de pentecostes. É muito comum em nossas conversas com pentecostais ouvir deles que o modelo de Atos 2 se repete hoje em dia nos movimentos pentecostais. Muitas pessoas têm me perguntado se o pentecostes dessas igrejas de hoje corresponde exatamente ao pentecostes de Atos. A minha resposta é um categórico “não”. Se houver conflito entre o modelo pentecostal moderno e o modelo de Atos, eu prefiro considerar que o movimento moderno é falso, e o pentecostes de Atos verdadeiro. A pergunta que deve ser feita agora é se há de fato conflito entre o pentecostes moderno e o modelo apostólico. Para responder a esta pergunta precisamos analisar o modelo apostólico, compará-lo com o moderno e no final da análise conclusões serão feitas em cima de todos os dados. As principais características do pentecostes apostólico eram as seguintes: a) Era geograficamente histórico O pentecostes estava geográficamente prometido para acontecer em Jerusalém, e em nenhum outro lugar; mesmo que os eventos entre os samaritanos, na casa de Cornélio, e em Éfeso sejam citados como exemplo de continuidade do pentecostes, “a promessa” só foi prometida para Jerusalém, (Lc 24:49). Foi ordenado aos discípulos que “não se ausentassem de Jerusalém”. Nenhum dos apóstolos reconheceu ou denominou tais eventos posteriores como um segundo ou terceiro pentecostes. Isso porque a natureza teológica de cada evento similar ao pentecostes jerosolimitano (de jerusalém) era, em muitos aspectos, diferente. Jerusalém seria o local do último evento da história da redenção antes da volta de Cristo. Na promessa do Pentecostes, Lucas não enfatizava apenas o esperar, mas esperar em Jerusalém. Observe-se que os verbos perimenein (esperar, At 1:4) em Atos e kathisate (sentar-se, Lc 24:49), em Lucas, são as únicas condições relatadas na Escritura para o pentecostes; uma condição tão sem esforço e tão não-subjetiva quanto parece possível. A promessa de Cristo aos seus apóstolos não é “se permanecerdes em Jerusalém recebereis o Espírito”; ao contrário, em ordenando os discípulos permanecerem em Jerusalém, simplesmente promete o Espírito. A discriminação do local do acontecimento desprovida de qualquer condição espiritual dos discípulos é prova categórica que o pentecostes bíblico não estava disponível para qualquer pessoa em qualquer lugar; nem tampouco havia qualquer tipo de condição espiritual previamente estabelecida para acontecer. 

Ao compararmos com o pentecostes moderno percebemos que já a primeira diferença está no fato do pentecostalismo moderno não ser histórico, podendo seu pentecostes ocorrer em qualquer época e em qualquer lugar; bem como ser necessário preencher várias condições para acontecer (jejuns, vigílias, orações, abstinências, etc.). Não há qualquer visão histórica do evento, tornando-o manipulável e tão corriqueiro como fazer qualquer refeição diária. O penúltimo evento mais importante da história da redenção, segundo os pentecostais, acontece todos os dias entre eles, não importa quão diferente seja do pentecostes original. Isso é forte evidência que o pentecostalismo defende um pentecostes de natureza diferente do bíblico; a base do movimento pentecostal moderno não é bíblica. b) Tinha natureza de promessa Os eventos da descida do Espírito Santo em Atos 2, e seus pares em Atos 8, 10, e 19 são denominado de “dom”. A idéia de dom pode facilmente ser entendida pelo fato do Espírito Santo nunca ser pedido ou buscado pelos que o recebe; em todas as ocasiões em que as pessoas recebem no livro de Atos, ou foi promessa assegurada por Cristo (Atos 2), ou foi concedido pelos apóstolos. (Atos 8,10,19). 

O Espírito Santo em Atos sempre é referido com promessa ou dom; nunca é galgado ou obtido, sempre é uma dádiva. Logo no início do livro de Atos, Lucas refere-se ao Espírito Santo pelo nome que deverá ser entendido por todo o restante do livro de Atos, a promessa do Pai. É interessante notar também que os apóstolos não pedem ou buscam; o único episódio em que eles “oram” pelo batismo é o caso dos samaritanos. Ainda assim isso acontece em dois momentos separados, pois na hora dos samaritanos receberem o Espírito Santo, os apóstolos apenas impõem as mãos; nenhuma oração é feita pedindo. É possível que essa oração seja uma oração revelacional para saber se Deus faria um típico pentecostes samaritano entre eles. A palavra epanggelia, (promessa, Lc 24:49; Atos 1:4, 2:33), usada no contexto de pentecostes, é a palavra sinônima de “graça” que está em forte contraste com trabalho pou esforço em Rm 4:13, 14, 20; Gl 3:14. Epanggelia tem sua co-irmã a palavra dorea, (dom gratutito, At 2:38,39), usada por Pedro para descrever o Pentecostes. O emprego que Cristo e os apóstolos fizeram dessas palavras da graça tinha como objetivo repudiar toda mentalidade clássica farisaica de obter benefícios divinos por intermédio da lei. A exigência de esforços espirituais para ganhar dons era formalmente a religião judaica dos tempos apostólicos. A maior implicação teológica da lexicografia das palavras empregadas para a descrição de Pentecostes em Lucas e Atos é que a promessa do Pentecostes é um presente da parte de um Pai gracioso, com significado de presente gratuito, sem preço, custo ou condição. 

A promessa divina no Novo Testamento é sempre epanggelia, uma dádiva graciosamente outorgada, e não um penhor obtido através de negociações. O pentecostes apostólico não foi uma oportunidade, responsabilidade, ou privilégio dos crentes, e sim a promessa do Pai. O pentecostes, portanto vem em nome da promessa e não da lei; é tido como dom e não como desafio. Com isto podemos concluir que o Pentecostes não é humana, e sim divina. O pentecostes é a promessa do pai. O pentecostes moderno defendido pelo pentecostalismo não tem natureza de dom ou promessa como é o da Bíblia. Os pentecostais acham que a dádiva do Espírito Santo tem a ver com a lei (é alcançado pelo merecimento dos esforços), e não com a graça (dom, promessa). Essa é a principal razão por que eles têm uma mentalidade de obras tão forte quanto a lutar, buscar, trabalhar e merecer as dádivas divinas. Essa também é a principal razão por que o pentecostalismo só cresce no terreno arminiano. Isso implica também em que seria contradição de termos usar a expressão “reformados pentecostais”; é a mesma coisa de dizer “calvinista arminiano”. c) Era incondicional O texto de Lucas 24:49 apresenta a promessa do Pentecostes desprovida de qualquer outra condição para o Pentecostes, a não ser o de esperar. A mesma idéia condicional está em Atos 1, onde podemos encontrar apenas a ordem dada aos discípulos de não se ausentarem de Jerusalém. Estas duas ordens de Cristo encerram toda a questão sobre quais os pré-requisitos para acontecer o pentecostes: não há nenhuma condição. Como o Pentecostes está condicionado a uma promessa, seria incongruente atrelar condições, pois a promessa depende inteiramente de seu doador. Os discípulos não teriam que preencher nenhuma condição, apenas descansar na promessa. Nada há no texto de Atos, nem mesmo nas epístolas quanto a uma lista de condições espirituais para um possível pentecostes. 

Em Atos 1:4-5 temos a primeira proclamação do Pentecostes no livro de Atos. Se tivesse havido um desejo de gerar uma participação mais plena pelos apóstolos (ou pelos leitores futuros) em procurar o dom vindouro, poderíamos ter esperado um ensina com mais desafio, ou um convite com várias condições prévias. Sentar-se não é postura de heróis. O mandamento no sentido de permanecer poderia ter sido suplementado no registro de Lucas com instruções sobre como esperar, como melhor passar o tempo enquanto os discípulos esperavam, ou com a necessária obediência em orações e exercícios devocionais. Mas não temos relato disto; somente “esperar”, “permanecer”, “sentar-se”. (Bruner: 1986) Comparando com o modelo pentecostal moderno, os pentecostais criaram um pentecostes cheio de condições e pré-requisitos os quais nem eles mesmos são uníssonos em afirmar em que grau e quantidade essas condições devem funcionar. O fato é que os pentecostais modernos não conseguem ter um pentecostes incondicional como foi o Pentecoste do livro de Atos; ou seja o pentecostes moderno é sem promessa. Não havendo nenhuma promessa para o pentecostalismo moderno, eles se auto doutrinam com o ensino de que depende deles e de seus esforços alcançar a segunda bênção, e são obrigados a fabricar seu próprio pentecostes. d) Requeria postura passiva de seus recipientes Em atos 1:5 Jesus deixou bem claro que o agente do derramamento do Espírito Santo seria o próprio Deus. Todos os recipientes seriam passivos. A voz do verbo “batizar” é passiva, (baptisthesesthe, “sereis batizados”). O verbo na voz passiva indica que o batismo no Espírito Santo não será o resultado da atividade de quem o recebe; o sujeito do batismo espiritual não deve ser o recebedor e seu esforço, e sim, o prometedor e sua vontade. (Bruner: 1986). Essa mesma idéia da voz passiva é também encontrada na promessa mais antiga do Pentescostes que é Lucas 24:49, “até que do alto sejais revestidos (endusesthe) de poder”. Lucas apresenta a promessa do Espírito Santo não como uma conquista ou realização humana, mas sim como uma dádiva divina: que desce do alto. No verdadeiro pentecostes os crentes permaneceram passivos porque já sabiam o que estava para acontecer; eles aguardavam e descasavam na promessa que receberam. Já ouvi o argumento de pessoas que me disseram que os crentes no dia de pentecostes estavam reunidos em oração. É interessante notar que nem mesmo essa possibilidade pode ser obtida a partir do texto bíblico pelos seguintes motivos: 1) ninguém sabia em que hora o Pentecostes aconteceria, impedindo-os de uma reunião de oração específica; 2) eles só receberam a ordem de permanecer em Jerusalém, nada mais; 3) quando o Pentecostes se cumpriu estavam todos “assentados”, e assentar-se não é postura de herói, ( At 2:2). O mesmo não poderíamos dizer do pentecostes moderno, tendo em vista que os pentecostais modernos não receberam nenhuma promessa, e por isso se tornam tão ativos na hora de receber a “bênção” pentecostal moderna. Todo pentecostal é treinado a buscar fervorosamente e a fazer alguma coisa para receber a segunda bênção. Eles sempre estão orando, gritando, pulando, ou enrolando a língua; conheço um caso em que uma jovem arrancou cabelos de sua própria cabeça. Alguns tipos de estímulos são ensinados como empostação da voz, choro, risos, gritos repetidos de uma palavra monossilábica. Todo pentecostal é treinado em buscar e adquirir a “benção” pentecostal por meio de grandes esforços. São ensinados em variados métodos pelos quais eles se tornam pessoas ativamente lutadoras para receber o pentecostes moderno. Se o movimento moderno pentecostal fosse verdadeiro, eles certamente estariam descansando em uma promessa. Como não há promessa, eles se tornam ativos, diferentemente da igreja primitiva. e) Era cronologicamente histórico 

A promessa do Pai não tinha apenas um local certo para se cumprir, mas um tempo certo também. As palavras “não muito depois destes dias” significavam “muito em breve.” É notável quão grande é o erro daqueles que querem comparar o movimento moderno com o Pentecostes primitivo. A promessa de Atos deixava certo o local e a data do acontecimento. Pentecostes não datado, adiado ou antecipado por causa de orações dos recipientes. Já ouvi argumentos de que possivelmente os crentes de Atos estavam orando no dia de Pentecostes, mas isso é conjectura. O pentecostes tinha data certa, e todo mundo sabia que não era para pedir aquilo que já estava prometido. Diferentemente do Pentecostes primitivo, quem determina a data de seus pentecostes são eles mesmos. Grandes concentrações são marcadas, e é prometido cumprir-se ali o mesmo de Atos 2; no entanto ninguém tem certeza se as coisas vão acontecer, pois a eles não foi dado data nenhuma. Tudo não passa de presunção de seus líderes místicos, que em nome de Deus, pretenciosamente afirmam receber revelações, as quais só estão sujeitas ao julgamento deles mesmos. O pentecostes moderno tem data marcada pelo próprio recebedor; o Pentecostes de Atos era um ato gracioso da soberania de Deus, no qual só ele mesmo tinha participação ativa. f) Indicativamente certo É fundamental perceber que a promessa do batismo com o Espírito Santo não se encontra no modo verbal subjuntivo, “podereis ser batizados com o Espírito Santo”, e sim no indicativo, (baptisthesesthe), “sereis batizados com o Espírito Santo”. O modo indicativo não impõe ou estabelece quaisquer obrigações ou exigências sobre os apóstolos, nem sugere incerteza sobre o recebimento da promessa. Se o subjuntivo tivesse sido usado, ninguém teria certeza se receberia ou não o batismo com o Espírito Santo até que cumprissem cabalmente as condições prévias para receberem a bênção. Com o uso do indicativo é certo que a promessa não dependeria das condições dos discípulos. 

No pentecostalismo moderno qualquer referência ao batismo com o Espírito Santo é sempre no subjuntivo. Os pentecostais são ensinados que “eles poderão receber a segunda bênção”, se preencherem as condições estabelecidas. São instruídos a se dedicarem ao jejum, à oração, e a uma busca incessante; neste projeto da busca incessante até treinamentos de como receber o batismo ou falar em línguas será bem vindo para eles. O ensino característico do movimento pentecostal é o incentivo da busca e a incerteza da segunda bênção. Esse ensino é completamente estranho aos escritores do Novo Testamento, levando-se em conta que nenhum apóstolo buscou o Batismo com o Espírito Santo, nem ensinou por meio de suas epístolas que os crentes deveriam buscá-lo. Portanto, o ensino da promessa condicional não passa de tradição pentecostal sem nenhum embasamento nas Escrituras Sagradas. g) Uma promessa inclusiva Se a promessa tivesse sido feita no subjuntivo, apenas alguns discípulos teriam sido batizados com o Espírito Santo. É evidente que o subjuntivo já prevê que nem todos terão as mesmas condições espirituais para receber a promessa. É importante lembrar que Jesus não disse “alguns de vós receberão, ou poderão receber”, afirmando assim que somente os que estavam preparados para a promessa a receberiam. Se Cristo tivesse afirmado tais palavras, ele estaria concordando com o ensino pentecostal moderno de que o indivíduo tem que se esvaziar para ser cheio do Espírito. Se o Senhor tivesse usado a palavra “alguns”, faria da promessa algo condicional. Na verdade Cristo afirmou que todos receberiam a promessa do Pai porque não dependeria deles. Como no movimento pentecostal o batismo com o Espírito Santo não é uma promessa inclusiva como foi no livro de Atos, ninguém terá a certeza de que todos receberão a bênção. Isto indica claramente que concernente ao batismo com o Espírito Santo cada pentecostal responde por si, o que diverge significativamente da natureza do pentecostes de Atos. No dia de pentecostes nenhum discípulo ficou de fora da promessa. Isso, dramaticamente não é o que ocorre com os pentecostais do nosso tempo. Na verdade, o sentido de boa parte da vida de um pentecostal é lutar para ser batizado com o Espírito Santo, pois nem todos se consideram batizados. Isso é prova clara que o movimento pentecostal moderno não desfruta da mesma bênção que os primeiros discípulos experimentaram nos dias apostólicos. A promessa do batismo com o Espírito Santo em Pentecostes é inclusiva para fracos e fortes, enquanto que a “bênção” pentecostal moderna é exclusiva para os mais aptos. h) Origina-se do alto, e não de baixo A origem de uma promessa que não depende de quem a recebe, é, certamente, de fonte externa ao recipiente. Em Atos 1:8 Jesus promete o Espírito que desceria sobre vós (epi), e não viria de vós (ek). Aqui claramente Jesus aponta para o soberano e gracioso doador, e desvia a atenção dos recebedores. O batismo com o Espírito Santo tem sua origem do alto (epi), e não de dentro (ek) dos discípulos. Com o uso dessas preposições podemos dizer que o Espírito não surge de dentro da vida emocional ou espiritual do recebedor, não depende dos estados interiores das pessoas, nem lhe é sujeito. 

A grande diferença do pentecostes de Atos para o pentecostalismo moderno é que os pentecostais do nosso tempo entendem a batismo com o Espírito Santo como uma conquista, e não como uma promessa. Enquanto a doutrina do Espírito Santo no Novo Testamento está relacionada diretamente às palavras “dom” e “promessa”, no movimento pentecostal moderno essa doutrina tem a ver com as palavras “condições” e “esforços”. Com base nessas idéias acerca do Espírito Santo, qualquer pentecostal tem do que se gloriar; eles mesmos se consideram mais espirituais porque lutaram e conseguiram o “dom” enquanto os outros não. Isto prova que o batismo com o Espírito Santo pentecostal moderno tem sua origem no próprio homem, enquanto o batismo de Atos tem origem em Deus. Os próprios pentecostais são fábricas de batismo com Espírito Santo; até ensinam com fazer para obter. Esse ensino não pertence aos escritos do Novo Testamento, mas às religiões pagãs que adotam a doutrina de manipular seus deuses para realizarem seus desejos.


CONCLUSÃO

 Podemos concluir que a doutrina do batismo com o Espírito Santo dos pentecostais modernos nada tem a ver com o ensino de Jesus e de seus apóstolos. Os pentecostais não possuem a promessa como Cristo deu aos seus primeiros discípulos. Assim sendo, a história do movimento pentecostal segue caminho diferente do caminho apostólico. Se durante quase um século Deus não visitou os pentecostais como visitou seus discípulos em Jerusalém, consequentemente os recipientes modernos entraram por outro caminho em busca daquela bênção primitiva. Enquanto o batismo com o Espírito Santo foi uma promessa com hora e local determinados por Deus, incondicional, passiva, certa, inclusiva, e divina para os cristãos primitivos, para os pentecostais é uma conquista incerta, condicionada aos privilégios de alguns, galardoadora aos ativos, incertos para todos e exclusivo para alguns poucos que conseguem preencher requisitos que eles mesmos traçam, e tendo sua origem nas obras humanas. Considerando tudo isso, podemos afirmar que o movimento pentecostal moderno não tem sua origem e sua natureza em Deus, mas no próprio homem.


O que é o Batismo com o Espírito Santo no Novo Testamento

O ASPECTO TEMPORÁRIO DO BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO
 Prof. Moisés C. Bezerril

Introdução

            A questão de grande importância que deve-se abordar quanto ao batismo com o Espírito Santo é sua função na igreja cristã primitiva, e o significado teológico da expressão “batismo com Espírito Santo” para a igreja moderna.
            Normalmente as pessoas deixam de perceber que a expressão “batismo com o Espírito Santo” também aplica-se a dimensões e significados específicos para a era apostólica que não estão mais presentes hoje na igreja. Essa falta de conhecimento sobre o assunto tem feito surgir vários movimentos chamados pentecostais que reivindicam a mesma natureza apostólica do batismo com o Espírito Santo para hoje. Neste trabalho pretendo mostrar que o batismo com o Espírito Santo tem quatro significados teológicos, sendo três deles específicos para a era apostólica, e um para os nossos dias. São eles os seguintes: 1. incluir espiritualmente todos os crentes no corpo de cristo por meio da fé, 2. capacitar os apóstolos, pelo poder do alto, com credenciais apostólicas;   3. incluir visivelmente gentios no pacto abraâmico por meio de línguas e profecia,        4. incluir samaritanos distintamente de todos os outros povos na aliança abraâmica. Destes quatro significados básicos, o 2, 3, e 4 foram apenas para a era apostólica, não aplicando-se mais aos dias de hoje; enquanto que o significado 3 é o que a igreja vive hoje em dia. Assim, os significados  2, 3, e 4 correspondem ao aspecto temporário do batismo com o Espírito Santo.


PROLEGÓMENOS



O sentido mais amplo do batismo com o Espírito Santo no Novo Testamento é o de confirmar a entrada de estrangeiros  como povo de Deus na aliança abraâmica. Como o batismo com o Espírito Santo tem função primária de introduzir espiritualmente indivíduos no corpo de Cristo, um grande problema estaria para acontecer quando judeus e gentios fossem contemplados dentro de uma mesma aliança.  Desde os dias do Antigo Testamento Deus já havia prometido fazer de Abraão uma bênção para “todas as nações”, (Gn 12:3). Paulo afirma que essa promessa feita a Abraão, também chamada de bênção de Abraão, era o Espírito prometido. A história registrada em Atos é também a história dos gentios recebendo a bênção de Abraão: o Espírito Santo, (Gl 3:14). Deus não permitiu os gentios receberem sozinhos o Espírito da aliança abraâmica porque assim surgiriam duas igrejas primitivas. Como só existe uma aliança feita com Abraão, na qual Deus promete dar do seu Espírito a todas as nações, todos os gentios eleitos teriam que entrar pela mesma porta: os apóstolos judeus. A aliança é judaica, feita com Israel desde muito tempo atrás; Deus não criou outra aliança com gentios, mas a mesma aliança abraâmica é, agora, estendida ao mundo pagão. Essa é a razão por que Felipe, (At 8: 4-25), após evangelizar os samaritanos, mesmo constatando que eles já tinham fé em Cristo, ainda assim não pôde conferir-lhe o batismo com o Espírito Santo. Neste caso, a expressão “batismo com Espírito Santo” ou “descida do Espírito Santo” aqui nada tem a ver com fé.  Os discípulos convertidos pela pregação de Felipe eram crentes genuínos, pois foram batizados no nome de Jesus (Lucas usa a palavra “somente” porque era incomum o batismo em nome de Jesus desacompanhado do batismo com o Espírito Santo). O batismo com o Espírito Santo dos samaritanos significava simplesmente “confirmação visível da entrada dos samaritanos na aliança abraâmica”. Isso eles tiveram que receber dos apóstolos, pois os samaritanos já se consideravam um outro povo pactual de Iavé. Como os apóstolos possuíam apostolicidade dada no momento em que foram batizados com o Espírito Santo, eles representavam a aliança abraâmica  estendida aos gentios; mesmo que os samaritanos não fossem gentios, ainda assim eram considerados estrangeiros à promessa. A demora em receber o batismo não foi condicionada a nenhum requisito espiritual que faltava aos crentes samaritanos, mas ao cumprimento histórico do derramamento do Espírito para formar  todos os povos (pagãos e judeus) em um único povo. Certamente se os samaritanos tivessem recebido “o batismo” do Espírito Santo sem os apóstolos, teriam se tornado mais uma igreja primitiva samaritana rival da igreja cristã apostólica.
A verdade sobre o batismo com o Espírito Santo requer ser compreendida em duas dimensões de significados: no sentido mais estrito ele significa introduzir pecadores no corpo de Cristo e consequentemente na aliança da graça; no seu sentido mais amplo tal batismo está relacionado com o credenciamento apostólico e com a sinalização histórica da entrada dos gentios e samaritanos no pacto da graça outrora feito apenas com o povo de Israel. Assim, para uma melhor compreensão, o tema deve ser abordado em duas grandes seções:

I. O BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO PARA DESCRENTES

            A primeira promessa de João Batista do batismo com o Espírito Santo é feita para os filhos perdidos da casa de Israel, que mesmo sendo judeus haviam se desviado do verdadeiro evangelho, (Mt 3:7-12).
            Essa promessa também é feita por Pedro aos descrentes em seu primeiro sermão evangelístico logo após o evento de pentecostes, no qual ele convida os incrédulos judeus ao arrependimento para receberem “o dom” do Espírito Santo, interpretado pelo próprio Pedro como Batismo com o Espírito Santo,( At 11:15-18). Veja também a interpretação do apóstolo João sobre o Batismo com o Espírito Santo e sua relação com a fé, (Jô 7:37-39). O batismo é entendido por todos estes escritores bíblicos como algo condicionado unicamente à fé, e nada mais.
Paulo também tem uma concepção de batismo com o Espírito Santo como uma necessidade essencial para os gentios incrédulos entrarem pela fé no corpo de Cristo. Em Atos 19:1-7, ao perguntar se os discípulos de Éfeso tinham recebido o Espírito Santo “quando creram”, o apóstolo entendia que a fé era o único elemento autenticador do Batismo com o Espírito Santo, bem como sua condição. A ausência do Espírito coincidia com a ausência de fé. Essa teologia é confirmada por Pedro em Atos 11:17, pela expressão petrina “quando cremos no senhor”,  quando trata da conversão de um gentio.
Em que sentido, pois, os não crentes são batizados com o Espírito Santo? A resposta a esta pergunta é: em seu sentido ordinário e permanente.
Esse sentido de confirmar a entrada de pecadores na aliança feita com judeus ainda é válido nos nossos dias. Quando uma pessoa ouve o evangelho e se arrepende em fé, ela é introduzida no corpo de Cristo, (I Co 12:13); recebe o Espírito prometido a Abraão, ou batismo com o Espírito Santo, (Gl 3:14), tornando-se participante da mesma aliança feita com judeus, (At 11:18). Assim o zambujeiro é enxertado na oliveira boa. Receber o Espírito hoje é confirmado pelos frutos de arrependimento e fé.  O batismo com o Espírito Santo é o meio que Deus determinou introduzir os filhos da promessa no pacto da graça, (I Co 12:13). Portanto quando usamos a expressão “batismo com o Espírito Santo” estamos falando da nossa regeneração e conversão a Cristo.
Entende-se por esses registros bíblicos que o batismo com o Espírito Santo era necessidade vital para judeus e gentios incrédulos entrarem no corpo de Cristo por meio da fé. Isso significa que fé e batismo com Espírito Santo coincidem-se e confirmam-se mutuamente. Nesse primeiro momento a função do batismo com o Espírito Santo é introduzir espiritualmente pela fé pecadores no corpo de Cristo, (I Co 12:13), da mesma forma como o batismo com água introduz visivelmente incrédulos na igreja visível.

II.                O BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO PARA CRENTES

            O batismo com o Espírito Santo não foi uma realidade prometida somente para os incrédulos. Jesus prometeu o batismo com o Espírito Santo aos seus apóstolos, os quais já eram crentes, (cf Lc 24:49- At  1:2-5). O batismo com Espírito Santo prometido foi experimentado pelos samaritanos que também já eram crentes, (At 8:12-13). É claro que a função do batismo com o Espírito Santo para os crentes não era a de introduzi-los no corpo de Cristo pela fé, pois isso já tinha acontecido quando creram. Em que sentido, pois, os apóstolos e os discípulos crentes foram batizados com o Espírito Santo? A essa pergunta podemos responder: em seu sentido extraordinário e  temporal, que são:

1) O sentido de conferir apostolicidade aos apóstolos.

Nesse sentido Cristo prometeu “poder do alto” aos apóstolos, e não conversão, pois eles já eram crentes. Essa idéia é registrada por Lucas, (Lc 24:49) e confirmada por ele como Batismo com o Espírito Santo, (At 1:2-5).  No desenrolar da história da igreja em Atos, podemos perceber que os apóstolos e os evangelistas que estavam com eles detinham “poder” para realizar prodígios, (At 8:4-8), mas somente os apóstolos detinham apostolicidade para “ dar o Espírito Santo” tanto a judeus quanto gentios, quer fossem crentes ou incrédulos, (At  8:14,15-18). É notável que depois do evento de  pentecostes não existe nenhum episódio de recepção do batismo com o Espírito Santo sem que seja por intermédio dos apóstolos. Os apóstolos eram o canal inicial pelo qual o Espírito tinha que fluir para judeus e gentios. Como fundamento da igreja e depositários da fé da nova aliança, os apóstolos eram o recipiente do batismo com o Espírito Santo que deveriam fundar a igreja de Cristo. Essa apostolicidade pode ser percebida nas credenciais que Paulo reclama para si por meio de sinais, prodígios e poderes (o que faz lembrar as palavras de Jesus “poder do alto”), (II Co 12:12).
O sentido de apostolicidade não é mais contemplado hoje em dia pela igreja de Cristo. Constitui, pois, um massivo erro o tentar considerar o batismo com o Espírito Santo hoje como “um enchimento de poder”, credencial apostólica prometida somente aos apóstolos, (At 1:2-4).

2. O sentido de validação do chamado histórico dos gentios à aliança abraâmica por meios visíveis das línguas e profecia.

É bem verdade que para que haja inauguração de aliança é necessário que ela seja confirmada. Quando deus inaugurou a nova aliança entre os homens ele começou com os judeus, antigo povo da aliança abraâmica. Dentro dos planos divinos, aprouve a Deus iniciar a nova aliança com judeus e depois estendê-la aos gentios. Se Deus tivesse simplesmente pulado da antiga aliança com os judeus para uma nova aliança com os gentios, os judeus jamais reconheceriam a aliança gentílica como válida. Era necessário, pois, que as cláusulas confirmadoras da aliança judaica fossem as mesmas da aliança gentílica; do contrário não haveria provas de que a aliança com Abraão era a mesma oferecida ao gentios. Para isso Deus programou um plano cronológico de pregação do evangelho para validar a nova aliança no meio de dois povos diferentes.
Primeiro enviou João Batista e Jesus para inaugurar a nova aliança somente com a casa de Israel; certamente os judeus deveriam experimentar a mesma realidade da nova aliança que os gentios experimentariam mais tarde com os apóstolos.  O fruto do trabalho de Jesus foram apenas doze apóstolos e poucos discípulos. Jesus diz aos apóstolos que o Espírito Santo continuaria a mesma obra que Jesus havia começado, e que não faria nada diferente do que já estava posto por ele, (Jo 16:13-15). Os apóstolos apenas dariam continuidade à obra que Jesus começou (pregação do reino) no poder do Espírito Santo. É por essa razão que Deus deu o dom da apostolicidade: eles foram os únicos escolhidos para fundar a igreja de Cristo a partir de dois povos. Mas como provar para judeus e gentios que a aliança feita com gentios era a mesma dos judeus? Como provar para judeus e gentios que o Espírito prometido a Abraão era o mesmo que estava sendo dado a ambos os povos? A reposta a estas perguntas é: por meio de línguas e profecia.


O batismo com o Espírito Santo e línguas

            A esta altura já entendemos que a expressão “batismo com Espírito Santo” coincide com fé. Onde há fé há o Espírito. Entendemos também que o batismo com Espírito Santo tem mais de uma função na história do cristianismo apostólico. É possível afirmar-se, com dados bíblicos, por enquanto, que todos os que são batizados com o Espírito Santo  necessariamente têm fé, mas ao mesmo tempo os que têm fé não possuem os mesmos carismas operados pelo batismo com o Espírito Santo, tendo em vista que Deus opera funções múltiplas ao dar o seu Espírito aos crentes. Vejamos a relação das línguas com o Batismo com o Espírito Santo.
            Existem apenas três episódios de línguas relacionados com o Batismo com o Espírito Santo. É incorreto considerar as línguas como evidência de tal batismo tendo em vista que os samaritanos não falaram em línguas (os samaritanos não são gentios; adotavam o Velho Testamento como Escrituras deles). Nesse caso, se as línguas fossem evidência do Espírito prometido a Abraão, os samaritanos continuariam sendo rechaçados pelos judeus, pois não possuíam a evidência do acolhimento no pacto abraãmico. Paulo não ensina em lugar nenhum que línguas é evidência do batismo, e considera que nem todos possuiriam as línguas, (I Co 12:29-31). Outra peculiaridade das línguas em Atos é que elas só ocorrem na presença de gentios e judeus. Isso se dá pelo fato das línguas corresponderem a um sinal de inclusão dos gentios na aliança abraâmica. Durante três mil e oitocentos anos o evangelho só era conhecido na língua de Israel; por todo esse tempo Deus não houvera se revelado em nenhuma outra língua no mundo. Esse era o sinal de que a aliança abraâmica, por enquanto, só contemplava judeus, (Rm 9:1-5). O evangelho só veio a ser universalizado a partir de pentecostes, quando idiomas gentílicos (dialekto) foram contemplados com a palavra inspirada (profecia) que até então o Espírito de Deus só dava à aliança feita com Israel. Com a universalização do evangelho todas as cláusulas da antiga aliança deveriam ser entregues nas línguas dos gentios, como o Espírito fazia no Antigo Testamento, (“assim diz o Senhor”). Essa mesma fórmula é encontrada no dia de Pentecostes, quando Lucas escreve “passaram a falar noutras línguas conforme o Espírito lhes concedia que falassem”. Os gentios agora tinham os oráculos de Deus em suas próprias línguas. Israel tinha perdido o monopólio da revelação. Deus agora se revela aos gentios em suas línguas.
            Quando o batismo com o Espírito Santo ocorre acompanhado de línguas no Novo Testamento representa duas verdades novas agora para os dias na nova aliança: primeiro é que pelo batismo os gentios estão entrando na aliança abraâmica; segundo é que as línguas confirmam que a revelação agora é compartilhada com outras nações – o evangelho não pertence mais a Israel. Deus está tão interessado em outros povos que o Espírito dá a revelação em outras línguas. Essa é a razão porque em um livro tão vasto de história da igreja as línguas acontecem tão pouco. O propósito das línguas então era apenas o de confirmar visivelmente a entrada dos gentios na nova aliança. Quando os judeus vissem gentios em variedade de línguas falando “as grandezas de Deus”, que outrora só pertenciam a Israel, logo ficariam convencidos de que “também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para a vida”, (At 11:18). Essa confirmação por meio de línguas não era apenas para judeus; todos os gentios deveriam descansar na evidência das línguas que Deus não tem mais uma única nação contemplada como seu povo. As línguas confirmam que o batismo com o Espírito Santo é a entrada de todas as nações no pacto da Graça.  As línguas constituem, assim, um sinal de bênção para os gentios, mas ao mesmo tempo um sinal de maldição para Israel, pois esse antigo povo do pacto perdeu o direito de povo exclusivo da aliança.
            Uma peculiaridade que ainda devemos levantar sobre as línguas é que sendo o seu nome “variedade de línguas”, (I Co 12:10), no livro de Atos não há interpretação das mesmas, enquanto que na igreja de Corinto era proibido o uso de línguas sem interpretação, (I Co 14:28). A pergunta que normalmente é feita é por que em Atos a línguas funcionam sem interpretação e em Corinto tem que haver intérprete. A resposta é que fora a igreja as línguas constituem um divisor de águas. No dia de Pentecostes as línguas não foram entendidas por todos; alguns acharam que os discípulos estavam bêbados, ou seja, não entendiam as línguas faladas por eles. Quando as línguas não são entendidas é porque tais pessoas estão sendo preteridas (rejeitadas) pela graça. Jesus deixou muito claro que o fato das pessoas não entender suas parábolas era porque “...a estes não é dado conhecer os mistérios do reino”. (Mt 13:11). Essa é a natureza primária do dom de línguas: sinal para os incrédulos, (I Co 14:22).  Paulo refere-se ao cativeiro dos judeus incrédulos no Antigo Testamento, que foram arrastados à prisão por um povo de “língua estranha”, e usa esse exemplo histórico como princípio para falar da natureza das línguas não interpretadas. Isso significa que o uso de línguas sem interpretação é o mesmo que maldição para os que ouvem, pois ouvir sem entender é ser rejeitado pela graça. Como a igreja é a reunião dos escolhidos, seria uma contradição o uso de um dom que sinalizava a condenação da própria igreja. Línguas como sinal de maldição para incrédulos não deveria ser usado na igreja, a não ser que fossem interpretadas e transformadas em ensino, profecia, revelação, ou conhecimento, (I Co 14;6).

O Batismo com o Espírito Santo e profecia

            A profecia só é encontrada explicitamente relacionada ao batismo com o Espírito Santo em Atos 19:1-5. Podemos deduzir léxicamente que em Atos 2:4 a idéia de profecia também está presente na expressão “conforme o Espírito concedia que falassem”. Este último verbo “falar” é a tradução da palavra grega “falar inspirado”, o que indubitavelmente  corresponderia à profecia; o que os discípulos falaram em outras línguas era exatamente aquilo que o Espírito falava. Somente em Atos 10:46 não há nenhuma indicação clara de profecia acompanhando o batismo com o Espírito Santo; encontramos apenas a vaga expressão de que eles engrandeciam a Deus. Mas à luz dos outros textos acima citados, e levando-se em conta que Cornélio era gentio, podemos supor que ali também aconteceu um fenômeno profético. Por que então o batismo com o Espírito Santo era acompanhado de profecia? A resposta a esta pergunta tem a ver também com a resposta dada às línguas: a profecia era elemento de confirmação de que a aliança inaugurada entre os gentios tinha o mesmo valor da antiga aliança abraâmica inaugurada com judeus. O apóstolo Paulo reconhece que a revelação da glória, das alianças, da legislação, do culto e das promessas só foi dada a Israel; nenhum povo além de Israel recebeu qualquer luz da revelação divina enformada dentro de um pacto. Incrivelmente o contrário estava acontecendo em Pentecostes: uma aliança é inaugurada com povos que não eram povo de Deus. Como seria possível provar para judeus e gentios que aquela aliança era genuína como foi com os filhos de Abraão no Antigo Testamento? Tal aliança só seria levada em conta se os apóstolos, judeus e gentios pudessem ver Deus se revelando aos gentios por meio da profecia, pois profecia era o canal de comunicação das cláusulas de todas as alianças que Deus já fez com o homem. É exatamente isto que aconteceu com Pedro, o apóstolo que tinha dúvida da validade da aliança com os gentios. Pedro tinha dificuldade em acreditar que Deus tinha chamado gentios à aliança abraâmica. Somente depois de constatar que Cornélio (gentio) participou do mesmo fenômeno profético de Pentecoste, foi que ele afirmou: “...quem era eu para que pudesse resistir a Deus”,(At 11;15-18). Portanto, para um judeu, o falar profeticamente constitui elemento pactual conhecido apenas de Israel. Se a nova aliança feita com gentios contém os mesmos elementos pactuais que antes foram dados apenas a Israel, isso é sinal de que Deus ampliou, de fato, sua graça. Ninguém pode negar. Essa é a razão pela qual na inauguração da nova aliança a profecia foi dada em línguas gentílicas, (At 2) e os gentios profetizaram, (At 10 e 19). A prova incontestável para o mundo inteiro de que Deus expandiu sua graça de Israel para todas as nações é que os gentios experimentaram daquilo que era privilégio apenas da nação judaica. As línguas e a profecia estão registradas acompanhando o batismo com o Espírito Santo para provar que a entrada para o céu não pertence mais a um povinho do oriente médio, e sim que a graça de Deus agora é sem fronteira.

3.O sentido de introduzir os samaritanos na aliança abraâmica

            De todas as ocorrências do Batismo com o Espírito Santo o caso dos samaritanos é a mais distinta. O primeiro problema com os samaritanos é que o Batismo com o Espírito Santo em Samaria não significou credenciamento apostólico, nem confirmação de inclusão gentílica no pacto abraâmico, nem mesmo  conversão. Os samaritanos creram no evangelho, receberam o Espírito regenerador, mas tiveram que esperar pelos apóstolos para serem batizados com o Espírito Santo no sentido de serem introduzidos historicamente no pacto abraâmico. Curiosamente os samaritanos não falaram línguas e nem profetizaram porque eles não eram gentios, apenas estrangeiros. Como vimos anteriormente, línguas e profecia acompanham historicamente o batismo com o Espírito Santo apenas dos gentios nos únicos casos de Atos 2, 10, e 19.
Alguns sugerem que o sinal visível do batismo com o Espírito Santo entre os samaritanos, (Atos 8), teria sido o fenômeno das línguas ou profecia. Essa idéia deve ser rejeitada por dois motivos: quanto à línguas não pode ser  porque os samaritanos não são gentios, mas judeus mistos (II Rs 17:24-41), que continuaram com práticas judaicas misturadas a crendices pagãs. Durante toda a história eles aparecem reivindicando sangue judeu, e a aliança abraâmica ainda foi lembrada por Deus em favor deles. Já no Novo Testamento eles receberam de Jesus a mesma atenção e tratamento dado aos judeus, inclusive estendendo seu ministério entre os samaritanos, (Lc 10:29-37; 17:16-18; Jô 4:1-42); o mesmo  não aconteceu aos gentios, (Mt 15:21-28), pois esses só tiveram contato com o evangelho depois da confirmação da aliança abraâmica  no dia de Pentecostes. Jesus não considerou os samaritanos como gentios, pois os usou como exemplo para os judeus, (Lc 10:29-37), e os chamou de “estrangeiros”, (Lc 17:18), e não de cachorrinhos. Quanto à profecia é impossível porque os samaritanos dos tempos de Jesus não diferiam dos judeus quanto aos grandes temas teológicos dos israelitas, identificando-se especialmente com os saduceus. Eles esperavam o Messias, (Jo 4:25) e possuíam o Pentateuco Samaritano; a única diferença era que eles não partilhavam dos escritos proféticos. Sendo assim, o batismo com o Espírito Santo não precisaria confirmar que Deus estava dando aos samaritanos suas verdades reveladas que dera aos judeus, pois eles já possuíam desde há muito tempo.
Como, pois, confirmar a entrada de um povo que não é gentio na aliança abraâmica? A resposta é que ninguém sabe qual foi o elemento visível comprobatório de que eles foram batizados com o Espírito Santo a ponto de ser notado por todos os que estavam ali naquele dia. A verdade é que Deus usou um outro sinal visível que sinalizou para judeus e samaritanos que o pacto abraâmico foi estendido a eles também. Isso torna a entrada dos samaritanos no pacto distintamente dos gentios.

CONCLUSÃO

O batismo com o Espírito Santo para crentes não existe mais. A função do batismo com o Espírito Santo que vá além de introduzir incrédulos pela fé no pacto da graça não cabe no cenário eclesiástico moderno. O batismo com o Espírito Santo de pessoas crentes foi um marco na história da redenção e do cristianismo apostólico que tinha em vista registrar na Palavra de Deus a verdade de que a promessa abraâmica foi cumprida, e que hoje todos os povos são bem vindos à graça de Deus.




O que é o dom de línguas em Atos dos apóstolos

A NATUREZA PROFÉTICA  E INSPIRADA DAS LÍNGUAS EM 
ATOS 2:4

Prof. Moisés Bezerril

Atos 2:4 “E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem”.

         O livro de Atos tem sido muito utilizado pelos mais variados movimentos religiosos como um livro normativo. De fato existem muitas verdades normativas em Atos para a igreja moderna, mas esse não é o propósito primordial de Lucas, (At 1:1-2). O livro é, por natureza, histórico, e deve ser interpretado observando-se esse detalhe muito mais do que qualquer outro.
         Em tratando-se da questão pentecostal moderna, sobre a natureza das línguas faladas pelos pentecostais dos nossos dias, podemos dizer que, o movimento pentecostal dos dias atuais pratica um tipo de língua que não corresponde ao fenômeno de Atos 2:4, pelas seguintes razões:

1) As línguas de Atos 2 foi um fenômeno histórico com datas já previstas e profetizadas para seu cumprimento.
         A implicação dessa verdade é que, um evento que tem cumprimento atrelado a uma promessa jamais poderá fornecer argumentos em prol de sua repetição. Ainda mais, não há nenhuma outra promessa para a continuação do fenômeno na igreja, além da era apostólica (Atos 2, 10, 19). Não há nenhum mandamento quanto a sua continuidade. É impressionante como as línguas só ocorrem em Corinto  em forma  de uma anomalia que o apóstolo precisou corrigir e desestimular os crentes de Corinto naquela prática; também de ensinou-lhes que em pouco tempo aquele dom não teria mais lugar entre eles. Este meu argumento pode ser provado pelo fato de que nas epístolas tardias de Paulo (I, II, Timóteo, Tito) Paulo ordena Timóteo a se esmerar na leitura e estudo da Palavra escrita. Nada mais é dito sobre línguas e profecia. As primeiras epístolas de Paulo (Tessalonicenses, e Coríntios) continham informações sobre línguas (I Coríntios) e profecia (Tessalonicenses) porque pertenciam aos primórdios da era apostólica ainda. Depois dos anos 70 esses dons parecem ter terminado na igreja. Não há nenhuma indicação de que tais dons fossem algo comum em todas as igrejas. É importante lembrar que as igrejas das páginas do Novo Testamento são todas da era apostólica. Não é correto, portanto, interpretar qualquer dom de Corinto à luz do acontece hoje nas igrejas moderna. Sendo assim, as línguas de Atos são um elemento puramente histórico.

2) A natureza do “falar em línguas” é a mesma natureza profética dos dias do Antigo Testamento.
         Ninguém questiona que os profetas do Antigo Testamento falaram inspirados por Deus. Aqueles profetas eram considerados “a boca” de Deus. Na inauguração da nova aliança Deus promete as mesmas credenciais da aliança do Antigo Testamento. Quando Pedro foi interrogado sobre o que estava acontecendo no dia de Pentecostes, ele atribuiu o dom de línguas ao profetismo do Antigo Testamento se utilizando da profecia de Joel 2:28-32. É intrigante porque nessa profecia não há referência à línguas; mas Pedro na verdade, queria dizer que naquele dia Deus estava inaugurando uma aliança com profetismo igual ao profetismo do Antigo Testamento. Isso serviu para mostrar que a aliança ainda era a mesma feita com o antigo Israel; que tinha valor profético porque era Deus falando e chamando quem não era povo para ser povo seu. Como Deus falou nos dias da antiga aliança, assim ele também falou na inauguração da nova aliança. Essa é a razão porque Lucas emprega a expressão “conforme o Espírito concedia que falassem” em Atos 2:4. É interessante notar que quem fala no Antigo Testamento é Deus por meio de seus profetas, e quem fala no Novo Testamento é o Espírito por meio dos apóstolos e profetas. Isto foi profetizado pelo próprio Jesus em João 16:13, o Espírito falará tudo.
         No texto grego de Atos 2:4 há o emprego de dois termos para o verbo “falar”: “passaram a falar  (lalein), noutras línguas segundo o Espírito lhes concedia que falassem (apofqeggesqai). Alguns têm advogado que não há diferença entre estes termos, e que os mesmos são sinônimos, podendo ser traduzidos apenas por “falar”, mas, a verdade é que a intenção de Lucas não é esta, levando em conta que o evangelista só emprega o termo apofqeggesqai no livro de Atos para os sermões inspirados de Pedro e Paulo, quando esses dois apóstolos são tomados pelo Espírito para profetizar a revelação de Deus ao mundo gentílico, (At 2:14; 26:25). Além do mais, fora de Atos, o termo não é encontrado em outra literatura bíblica; este termo foi emprestado da literatura pagã, o qual era empregado para referir-se à fala dos deuses, ou oráculos das divindades. Este termo era empregado quando se entendia que um deus estava falando por meio de um profeta. Assim, o termo passou a ser empregado no Novo Testamento com o significado de “falar oráculos divinos”, “falar inspiradamente”. A ênfase oracular do termo pode ser notada em Lucas por três simples razões: a) ele emprega propositadamente dois verbos diferentes para “falar”, quando deveria usar apenas um se não quisesse fazer distinção de significados; b) emprega o mesmo termo para os sermões proféticos inspirados de Pedro e Paulo; c) aplica o verbo lalein para homens, e apofqeggesqai para o Espírito. Percebendo estes detalhes, pode-se entender que, em Atos 2:4, Lucas atribui aos homens o falar mecânico, como puro ato de falar; e atribui a fala do Espírito como “oráculos”, ou “profecia inspirada”.
         Uma regra básica para qualquer definição das línguas é aceitar o fato de que nas línguas de Atos 2 quem fala é o Espírito. Não há qualquer indicação no Novo Testamento que o dom de línguas não seja o mover do Espírito de Deus para trazer revelação, profecia, conhecimento, e ensino para a igreja apostólica antes da formação do corpo doutrinário escriturado no Novo Testamento, (I Co 14:6). Isso significa que o conhecimento quer temos hoje das doutrinas do Novo Testamento de maneira inspirada e autoritativa, aqueles irmãos da era apostólica o tinham por meio das línguas, de maneira inspirada e autoritativa porque era o Espírito quem lhes falava. O Espírito de Deus só fala inspiradamente, e o que ele fala vira Bíblia.

3) O conteúdo das línguas corresponde ao mesmo conteúdo profético nos moldes do Antigo Testamento.
         A principal razão para Lucas atribuir o verbo a)pofqeggesqai ao Espírito é a sua concepção de que nas línguas o homem apenas transmite (lalein) aquilo que o Espírito fala, (apofqeggesqai). Uma boa indicação desta verdade é o fato de Lucas usar a velha fórmula profética do Antigo Testamento, “falou o Espírito por meio de”, o que pode ser incontestavelmente percebido na expressão grega kaqwV to pneuma edidou apofqeggesqai. A palavrinha mais importante desta expressão é  kaqwV (“conforme”). Este advérbio é usado para indicar como causa ou razão o que vem depois dele. Assim, kaqwV to pneuma é uma expressão para indicar que o Espírito é a causa da “fala”. Era exatamente isto o que acontecia com os profetas inspirados do Antigo e Novo Testamento: eles eram tomados pelo Espírito apenas como porta-vozes, pois quem de fato falava era o Espírito,( veja I Pedro 1:21). Essa é a única razão pela qual Lucas emprega dois verbos distintos para o termo “falar” em Atos 2:4. Conclui-se com isso, pois, que os discípulos não falaram em línguas o que quiseram, mas falaram o que o Espírito dava edidou para eles falarem. Isto significa que os discípulos não falaram “influenciados pelo Espírito”, ou “no Espírito”, mas foram canais proféticos da “fala do Espírito”.






O que são os dons espirituais em I Coríntios 12

A NATUREZA APOSTÓLICA DOS DONS ESPIRITUAIS DE I CORÍNTIOS 12
Prof. Moisés C. Bezerril

INTRODUÇÃO

(O presente trabalho tem o grego transliterado transliterado porque foi escrito para a igreja e pessoas que não conhecem a língua grega)

         O assunto sobre os dons espirituais ainda continua sendo um dos mais difíceis por falta de dados abundantes no Novo Testamento sobre o assunto. Entende-se que, mesmo com pouca informação escriturística, tudo o que temos é suficiente para não sermos abandonados nas trevas do pentecostalismo antigo ou moderno, nem cometermos o sacrilégio de tornar a verdade de Deus em mentira.
         As páginas das Escrituras do Novo Testamento deixaram muitas informações exegéticas preciosas sobre os dons espirituais, que têm sido negligenciadas, ignoradas e pervertidas por homens perversos que tentam substituir a revelação na Palavra por uma religião puramente humana.
         Este trabalho é o início de uma jornada, ainda inacabada, na pesquisa bíblica sobre os dons da era apostólica.
         Com humildade, quero mostrar que a tão antiga “verdade pentecostal” ainda continua sem fundamento bíblico. Desejamos de coração, que, ao ler essas poucas linhas, a igreja de Cristo se fortaleça contra a mentira e toda a farsa de uma religião humana que tem se alastrado pelo Brasil e pelo mundo, conduzindo vorazmente uma grande multidão ao erro e a uma religião não bíblica.
        
O QUE É UM DOM APOSTÓLICO?
        
         Dons apostólicos são  dons dados por Deus a um grupo de indivíduos que foram chamados para a atividade profética de receber a revelação da Nova Aliança, transmití-la e inscriturá-la infalivelmente, sendo assistidos com credenciais miraculosas para atestar como verdade os oráculos divinos para judeus e gentios agora dentro de uma única Igreja. Na Nova Aliança Deus escolheu os ofícios de apóstolo e profeta para lançar o fundamento canônico dessa aliança, (Ef 2:20; 3:5), e escolheu os espirituais (pessoas que tinham dons apostólicos sem ofício) para revelar e ensinar os oráculos divinos infalivelmente,(I Co 12: 37). Para isso Deus deu dons de palavra para a comunicação da verdade revelada, e dons de milagres para a atestação da verdade revelada. Esses dons de milagres foram chamados também de credenciais apostólicas, (II Co 12:12). Com excessão dos dons de “socorros” e “governos”, o restante da lista dos dons de I Coríntios são dons apostólicos.  Dessa forma os dons espirituais apostólicos obedecem ao seguinte ordem:
         DONS DE PALAVRA DE COMUNICAÇÃO INDIRETA:  dom inspirado para revelar idéias e produzir Escritura. Esses são: sabedoria e conhecimento.
         DONS DE PALAVRA DE COMUNICAÇÃO DIRETA: dom inspirado de comunicação verbal para revelar palavras e produzir Escritura. Esses dons são: profecia, línguas, interpretação de línguas, discernimento de espírito.
DONS DE CREDENCIAIS: dom inspirado, que revela a certeza do milagre, faz do crente um canal do poder miraculoso para realizar a vontade de Deus  e atestar como verdade infalível a mensagem apostólica entre judeus e gentios; não produz Escritura porque é credencial  da Escritura. Nessa classe estão: dons de curar e operações de milagres.

I CORÍNTIOS 12:1

Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes.

A expressão peri ton pneumatikon (“acerca dos dons espirituais”) tem o mesmo significado do capítulo 14:1. O termo pneumatikon  ( no neutro) refere-se à natureza essencial dos dons (“ que pertence ao Espírito”); enquanto o termo charismaton     (12:4, 9, 30, 31) refere-se ao aspecto gratuito do dom, (ou seja, que é dado sem merecimento).  O apóstolo deseja que os coríntios entendam a origem, a natureza, e o propósito das manifestações extraordinárias do poder divino, e que possam distingui-los.

I CORÍNTIOS 12:2


Vós bem sabeis que éreis gentios, levados aos ídolos mudos, conforme éreis guiados.


Embora o NA27  adote “que quando”, a evidência externa aponta para “sabeis que éreis gentios”. Paulo refere-se não ao tempo, e sim ao fato. A melhor tradução do verso 2 é: “sabeis que éreis gentios guiados para os ídolos mudos como arrastados (“prisioneiros” é o melhor sentido de apagomenoi). O verbo apagô (“ser levado à força”, “prisioneiro”) contrasta com as expressões dia tou pneumatoi (v. 8)en to auto pneumati (v. 9), en pneumati (v. 13), (pelo Espírito). Antes os coríntios eram conduzidos por uma força irracional que controlava o entendimento e a vontade; agora, eles são guiados pelo Espírito. Isso indica que o apóstolo está fazendo uma clara distinção entre a manifestação do Espírito e as manifestações pagãs ou misticismo irracional.

I CORÍNTIOS 12:3

Portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o SENHOR, senão pelo Espírito Santo.

Com a expressão en pneumati   Paulo declara o critério da verdadeira influência divina, (“pelo Espírito”, “através do Espírito”). Usando Anathema Iesous, Paulo refere-se à historicidade de Jesus (não o Cristo, que é uma função), dizendo que a crença no Jesus real é obra do Espírito.i O mesmo se dá em  relação à expressão kyrios Iesous ( termo grego da LXX para IAVÉ), expressão usada para reconhecer Jesus como verdadeiro Deus, fato que só pode ocorrer pela obra do Espírito de Deus. Com a expressão Anathema Iesous e kyrios Iesous   Paulo diz que ninguém pode reconhecer a verdadeira humanidade e divindade de Jesus senão sob a influência do Espírito Santo. Com a afirmação do verso 3, Paulo estabeleceu o critério para se distinguir os que eram verdadeiramente instrumentos do Espírito Santo, e os que falsamente pretendiam essa função.1 

I CORÍNTIOS 12:4-6

Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos

As palavras charisma,  diakonion, e energêmaton não são substancialmente três classes de dons do Espírito, mas morficamente três tipos  da obra de Deus. Paulo enfatiza aqui a unidade da operação divina. Essas operações são relacionadas com cada membro da Trindade, o que significa “que o mesmo Deus e Pai que, havendo exaltado o Senhor Jesus à primazia da Igreja, e enviado o Espírito Santo, opera todos estes feitos na alma dos homens”.2 
As  palavras “dons”, “serviços” e “realizações” significam a totalidade de tudo o que Deus opera por meio do seu Espírito. Podemos dizer que não há distinção de classes de dons em 4 – 6, e sim que todos os dons estão numa única lista em I Co 12: 8 – 10, intitulados como “dons espirituais”. O que pode ser observado é que esses dons espirituais, em relação ao Espírito, são chamados de “dons”; em relação ao Filho, é chamado de “serviços”, e em relação ao Pai, é chamado de “realizações”.
O termo grego synferon não deve ser traduzido por “edificação”, e sim “proveito”, pois Paulo engloba na sua lista de  dons que não foram dados para edificar, e sim para ajudar, liderar, e atestar, como é o caso de “socorros”, “governos”, e “milagres”. A única classificação dos dons espirituais em todo o NT está em I Pedro 4:10, onde o apóstolo fala de dons de “fala”, ou palavra, e dons de “serviço”, ou seja, a divisão e classificação dos dons é somente quanto ao objetivo da graça: edificar e servir. No verso 11, Paulo enfatiza o caráter soberano da manifestação desses dons acima listados, como sendo uma realização de Deus  (energuei) que tem em vista seu próprio interesse (bouletai “quer para si”).

OS DONS DA LISTA DE 1 CORÍNTIOS

I CORÍNTIOS 12:8-11


Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra de conhecimento; E a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; E a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas. Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer.


Primeiro dom:

Palavra de sabedoria (logo sofia)

A expressão logo sofia só ocorre neste local, e encabeça a lista dos dons, assim como “apóstolo” encabeça a segunda lista no v. 28. É possível que Paulo esteja associando em grau de importância “palavra de sabedoria” com apóstolo e profeta.3  Isso quer dizer que o dom de sabedoria sempre pertencia a um apóstolo ou profeta. O termo sofia é empregado por Paulo em suas espístolas para definir “os mistérios do evangelho”, “coisas ocultas” (ên apokekrummenên – “a ocultada”) 1 Coríntios 2:7; em outras palavras, o dom de sabedoria era um dom destinado à explicação da consumação do plano redentor na Nova Aliança numa época em que ainda não havia o cânon do Novo Testamento. As verdades centrais do evangelho que Cristo havia prometido aos discípulos que seriam dadas pelo Espírito após sua ascensão ( Jo 16:12-13), eram dadas à igreja por meio do Espírito aos apóstolos e profetas do Novo Testamento. Devemos lembrar que a igreja da era apostólica passou praticamente cem anos com a pregação de uma verdade inspirada e infalível do grande mistério de Deus sem as Escrituras do Novo Testamento; essas coisas que antes estavam escondidas,  agora estavam sendo reveladas em forma de doutrina, mas não estavam escrituradas ainda. Como a igreja poderia ter uma sola scriptura sem as Escrituras do Novo Testamento? Essas verdades teriam que ser pregadas sem as Escrituras, mas deveriam ser, por natureza, inspiradas, levando-se em conta que Deus nunca guiou seu povo sem que fosse por uma palavra inspirada, inerrante, e autoritativa. Como essas verdades eram ocultas ainda daquela geração, a única maneira dessa sabedoria se tornar presente era por meio da revelação (Ef 3:5), o que Deus fez por meio de seus apóstolos e profetas, implicando num dom espiritual inspirado.
A grande importância desse dom para a igreja apostólica era o fato de que, depois da morte de Cristo, era necessário que essa morte fosse interpretada como a morte redentiva do Salvador do mundo; era necessário que fosse dada sabedoria aos apóstolos e profetas para interpretar a redenção nos moldes do que temos hoje nas epístolas e escritos do Novo Testamento. Isso significa que a igreja primitiva tinha que conviver com as mesmas verdades divinas que convivemos hoje no Novo Testamento; como eles não tinham as Escrituras do Novo Testamento, tinham os apóstolos e profetas, a quem era dado a revelação para expor a “sabedoria” que outrora estava oculta. Enquanto hoje temos toda a história e interpretação do mistério de Cristo escritos, nossos irmãos primitivos tinham o dom de sabedoria pra conhecer tudo sobre Cristo que conhecemos hoje nas páginas do Novo Testamento.

Palavra de conhecimento (logos guinoseôs)

Podemos dizer que o dom da ciência ou palavra de conhecimento era um dom produto da profecia (13:2), sempre citado entre os dons revelacionais voltados para a instrução e edificação (14:6), e que cessaria com o término dos dons revelacionais como línguas e profecias (13:8). Ora é citado como instrumento de revelação (14:6), ora é citado como o próprio conteúdo da revelação (13:2). Para Charles Hodge4 a “palavra de conhecimento” era o dom dos mestres do NT. Ele define esse dom como sendo o dom de “entender corretamente e apresentar apropriadamente as verdades reveladas pelos apóstolos e profetas”.5 É possível que tal dom seja a capacidade dada pelo Espírito aos mestres que deveriam ensinar a Igreja numa época em que o NT ainda não tinha sido escrito, e esses mestres dependiam da palavra revelada, o que compunha o conteúdo da tradição apostólica em forma oral. A palavra de conhecimento seria, certamente, compreender a profecia dada ao profeta (o profeta não necessariamente não deveria entendê-la), inseri-la num grande arcabouço doutrinário orgânico, lógico, e coeso com todas as outras verdades já reveladas, interpretando-a em harmonia com toda a tradição apostólica. O dom de conhecimento era a capacidade espiritual de ensinar  autoritativa  e   infalivelmente  as verdades recém reveladas  aos
apóstolos e profetas, para suprir as mesmas necessidades espirituais que hoje existem na Igreja moderna, e que são supridas com as Escrituras do Novo Testamento sobre as questões da Nova Aliança.  É o dom de entender a revelação ainda sem um corpo pronto (ou seja, o Cânon), e ainda assim interpretá-la em conexão com as outras partes desse corpo, sem contradição, correlacionando-a com verdades ainda vindouras e com as outras partes do cânon que viriam. A palavra de conhecimento era compreender a profecia em uma amplitude maior, mais profunda, e interligada com toda a verdade autoritativa da Nova Aliança, aptidão essa que o profeta não tinha. É possível compreender o dom de conhecimento como “um cânon ambulante” das Escrituras do Novo Testamento enquanto as partes (evangelhos e epístolas estavam sendo escritos). Mesmo sem um cânon escriturado, os crentes primitivos tinham, através dos mestres, acesso às mesmas verdades escrituradas que temos hoje.


Fé (pistis)

A Fé nesta lista não pode ser a fé salvadora, visto que esse dom só é dado a alguns (1 Co 12:9). Este dom aparece significativamente distinto dos outros empregos da fé apenas em Mt 17:19, 20 e 1 Co 13:2. Nestes textos a palavra fé está relacionada com feitos milagrosos. Mesmo que já tenha sido listado o dom de “operação de milagres”, a fé é listada como um dom distinto (a outro é dada fé). É possível que em 1 Co 13:2, Paulo esteja se referindo às palavras de Jesus de Mt 17:19, 20. Distintamente do dom de operação de milagres, o dom da fé tem a ver com “uma convicção de algo que vai acontecer, a fim de ser dada uma ordem para que esse algo aconteça (Mt 17:19, 20). Juntamente com os outros dons milagrosos, o dom da fé é um dom revelacional. A convicção do fato é obtida por meio de uma certeza revelada. Isto condiz com o entendimento do dom espiritual como sendo uma “operação de Deus” (energêmaton), (12:6). A fé milagrosa não é um dom exercido quando os homens querem, e sim quando Deus quer operar. Esta característica torna o dom da fé um dom dos feitos do Espírito, sendo, portanto, um dom inspirado (certo e eficaz). Foi usado na era apostólica para confirmar e dar credenciais aos atos e à doutrina apostólica como oráculo divino da Nova Aliança.

  
Dons de curar (Charismata iamatôn) 

Primeiramente, devemos entender este dom como sendo o mesmo dom encontrado nos dias da igreja primitiva de Atos 4:30. O contexto deste dom é muito distinto dos dias atuais, pois o contexto das curas no NT sempre era de  uma igreja que necessitava de “curas, sinais e prodígios” para autenticar a  universalização do Pacto abraâmico (pacto da graça) no mundo gentílico. O mundo judeu e o mundo gentílico careciam de provas irrefutáveis de que a Nova Aliança, era, de fato, a ampliação dessa aliança abraâmica, o que só poderia acontecer se houvesse uma confirmação miraculosa. Era necessário um elemento ratificador irrefutável, autêntico, infalível, e autoritativo, que convencesse o mundo desses dois povos de que Deus estava expandindo sua graça sobre todos os povos da terra. Isto faria com que a mensagem apostólica fosse tida como verdade credenciada pela vontade divina, e fosse acreditada por judeus e gentios como a Nova Aliança. Essa idéia confere com o que Paulo pensa em II Coríntios 12:12, onde o termo “credenciais” da ARA é a tradução do termo grego sêmeion “sinal”. A cura era um dom miraculoso subentendido no termo grego dynamesin (ato poderoso), como sinal do apostolado. O que devemos entender por apostolado? A resposta é: o ofício dado sobrenaturalmente por Deus a homens com a missão de autenticar a Nova Aliança numa época em que ainda estava acontecendo a revelação da referida aliança. O apostolado produziu o fundamento teológico da igreja (Ef 2.20).
A grande diferença entre o dom de cura do Novo Testamento e o pretenso dom de cura moderno é o seguinte: 1) o dom de cura dos dias apostólicos era infalível - os apóstolos não falharam em nenhuma cura, o dom moderno falha todos os dias; 2) era revelacional - eles sabiam que a cura funcionaria porque tinha sido revelada tal cura; 3) era feita por uma ordem ou palavra - não era feito por meio de  oração, “campanhas”, ou “correntes”; 4) era pública - sempre realizada nas ruas diante do público, não feita dentro de ambientes fechados; 5) cada cura estava dentro de um fato histórico que ficaria registrado para testemunho às nações - não um fato corriqueiro como é hoje; 6) o dom de cura era direcionado à pouquíssimas pessoas - não às multidões; 7) os apóstolos curaram muito pouco - pois a missão e o ministério deles não era a cura de enfermos; 8) havia o dom de cura e não ministério de cura - os apóstolos nunca divulgaram um pretenso ministério de cura, porque só há um ministério: o da Palavra);  9) era credencial apostólica - pertencia apenas aos apóstolos, aos seus auxiliares, e aos espirituais portadores do dom, esses que estavam participando da ratificação da Nova Aliança naquela época;  10) era esporádica - acontecia só quando precisava-se de testemunho da Nova Aliança entre os pagãos e judeus incrédulos, não existindo nenhum registro de campanhas de curas realizadas pelos apóstolos; 11) os enfermos não eram convidados – os apóstolos iam até eles; 12) na cura dos dias apostólicos o nome de Jesus era glorificado – nos dias modernos o nome de Cristo é envergonhado todos os dias,pois os curadores falham muitíssimo em suas pretensas curas, jogando a culpa na falta de fé dos fiéis seguidores; 13) o dom de cura apostólico tinha o caráter de inspiração divina, pois acreditamos nele sem provas empíricas – no dom moderno é preciso acreditar em pessoas mentirosas, errantes, e não inspiradas que afirmam curas que não se pode averiguar; 14)  o dom apostólico era direcionado para problemas crônicos de saúde - as curas modernas são sempre de problemas superficiais e temporários, (dores diversas, problemas circunstanciais de saúde, sendo, na maioria das vezes,  problemas que se resolve no médico ou com remédios analgésicos); 15) o dom de cura não foi dado para evangelizar – não existe ordem de Deus para a cura ser um dom evangelizador, pois os apóstolos sempre pregavam o evangelho depois da cura, além do que algumas pessoas curadas não foram salvas.


Operações de Milagres (energemata dynameon )

O dom de milagres é um dom de credencial apostólica assim como    o dom de cura (II Co 12:12). Diferentemente do dom de cura, que era mais específico (para enfermidades), o dom de milagres abrangia muitos feitos poderosos, nos quais o poder de Deus era confirmado. Se o apóstolo Paulo o usou como argumento para referendar seu ofício apostólico, logo, podemos entender que este dom era mais um dom voltado para ratificar a revelação da Nova Aliança por meio dos sinais e maravilhas apostólicos. Se o dom era uma credencial apostólica, a quem pertencia? Possivelmente só aos discípulos da escola apostólica.6 Exemplos de milagres podem ser vistos em Atos, mas sempre  imediatamente relacionados com os apóstolos: a morte de Ananias (Pedro), a ressurreição de Dorcas (Paulo), a cegueira de Elimas (Paulo).
Quem mais participou desse dom? Os falsos profetas também realizaram milagres (dynamei, Mt 7.22), pelos quais receberam a condenação deles, pois tais milagres não eram da vontade de Deus (Mt 7.21), e não estavam relacionados com a história da redenção, como os modernos milagres. Os falsos profetas dos dias de Jesus eram religiosos que afirmavam o senhorio de Cristo (“Senhor, Senhor”), mas estavam reivindicando credenciais apostólicas que não tinham o objetivo de ratificar a Nova Aliança; seus milagres tinham um fim particular, voltado para seus próprios interesses, como fazem hoje os milagreiros modernos (Mt 7.22). Como pois poderíamos explicar a autenticidade desses milagres? Ora, os milagres de Mateus 7:22 eram fato, os milagres aconteciam, mas não tinham o devido fim para o qual Deus os destinou, que era testificar a veracidade da revelação da Palavra de Deus que estava acontecendo naqueles dias. Se o verdadeiro propósito não estava presente naquele exercício dos dons de milagres, então os milagreiros usavam para si mesmos, o que é altamente pecaminoso, pois todo milagreiro rouba a glória de Deus para si; o pecado pelo qual os pastores curandeiros serão condenados será o de roubar a glória de Deus, e fazer o povo acreditar que eles são poderosos como Deus. Não é por acaso que todo milagreiro é famoso e suas igrejas possuem nomes que requerem para si grandiosidade, imponência e majestade, como Igreja Universal, Igreja Mundial, Igreja internacional; não vai demorar a aparecer a igreja cósmica, igreja galáctica, e intergaláctica; seus pastores também só querem ser grandes e imponentes, pois chamam a si mesmos de bispos, e apóstolos, e igualmente ao Papa de Roma, se estabelecem como figuras teocráticas, autoritárias e totalitárias sobre todas as igrejas e subalternos de suas seitas. Toda essa ganância e aquisição de poder são produtos do falso dom de operação de maravilhas encontrados hoje em vários canais de televisão, e em cada salão milagreiro encontrados pela cidade. Como tais milagres não servem mais aos propósitos da Nova Aliança,eles servem para condenar seus portadores, e enganar e arrastar os não predestinados para a condenação final, (Mt 7:23).

Profecia (profêtéia)

A profecia não é pregação, pois se fosse, seria um dom igual ao de mestre ou pastor. Paulo nos adverte em I Co 12.4 que “os dons são diversos”, portanto profecia não pode ser igual ao dom de pastor ou mestre. Ainda em 14.6  (...se vos não falar por meio de revelação, conhecimento, ou profecia, ou ensino) a profecia é distinta de conhecimento e ensino, os quais são elementos primordiais da pregação. Isso acontece porque a pregação é planejada (adquire-se conhecimento) e executada (ensina-se), enquanto que a profecia é dada inesperadamente pela vontade de Deus e não do homem (I Co 14.29-32). A profecia é dada por meio de revelação (I Co 14.29,30), a pregação é por iluminação.
As mulheres foram proibidas de falar na igreja (I Co 14.34,35), mas podiam profetizar (I Co 11.5). Parece contraditório, pois quem profetiza fala. Contudo a proibição do apóstolo é com respeito ao ensino (I Tm 2.12). Logo, a profecia não pode ser igual ao ensino, pois seriam proibidas também de profetizar. Na verdade, ensinar é o exercício da autoridade humana, enquanto a profecia é o exercício da autoridade divina. Quando as mulheres profetizavam quem estava falando era Deus; quando os homens ensinam, são eles que, autoritativamente, falam à igreja.
Uma outra característica da profecia é o conhecimento de mistério (I Co 13.2). Os termos excludentes mysterion e apokalyptô são usados por Paulo em Ef 3.4,5, onde os termos “profecia” e “profetas” estão relacionados com a revelação do mistério. Essa é a teologia paulina  da profecia; a profecia é o conhecimento da revelação de um mistério que estava oculto e agora é falado.
Paulo aguardava uma cessação da profecia ainda em seus dias, pois ele se incluiu no processo parcial da profecia de seu tempo: “em parte conhecemos, e em parte profetizamos”. O “perfeito” de I Co 13.10 não é a segunda vinda de Cristo, pois Paulo nunca usa esse termo para a vinda de Cristo, e sim “a vinda do Senhor”, ou “o Senhor na sua vinda”. Ainda vale salientar que, o apóstolo não usa o termo teleion em seus escritos para escatologia, e sim para maturidade. Também, o apóstolo não teria dificuldade de chamar “a vinda do Senhor” em I Co 13.10, se esse texto fosse escatológico. Não há nenhuma evidência exegética para considerar o texto de I Co 13.8-13 como escatológico. O tema predominante ali é a maturidade ou perfeição da profecia. A profecia perfeita não dependeria mais de profetas que revelavam verdades parcialmente. Paulo tinha consciência de um cânon que haveria de se formar com a profecia perfeita. Como um bom judeu, Paulo convivia com o cânon do AT, e entendia que a Nova Aliança era para os gentios e judeus da sua época o que a Antiga Aliança foi para Israel. O processo revelatório culminaria numa extinção do profetismo parcial, dando lugar à profecia perfeita (ou teleion). Paulo imaginava que fazia parte do estágio final desse processo ao afirmar: “em parte conhecemos, e em parte profetizamos, quando vier o perfeito, então o que é em parte será extinto”. Ora, se o que será extinto é em parte, então a profecia e o conhecimento parciais darão lugar à profecia e ao conhecimento completo. O que Paulo chama de “em parte” é a profecia e o conhecimento da era apostólica, os quais dependiam das revelações proféticas. Como haviam profetas e apóstolos espalhados por toda Ásia, profetizando e revelando conhecimentos do evangelho, cada um profetizava pedaços da revelação. Paulo revelou partes do conhecimento, Pedro detinha outra parte na mesma época, Judas, Tiago, João, e o profeta de Hebreus, participavam do mesmo processo. Lembremos que nessa época o Novo Testamento ainda era em parte. O fenômeno profético se encerraria depois que Deus revelasse toda a sua vontade e a escrevesse nas páginas do Novo Testamento. Esse é o teleion paulino.
Toda a doutrina do Novo Testamento  era conhecido dos apóstolos e da igreja apostólica apenas em pedaços (em parte). Pedro, possivelmente, conheceu alguns escritos de Paulo, mas talvez não tenha conhecido os escritos de João ou de Judas. E assim sucessivamente. Como os apóstolos conheceram e entendiam o processo revelatório do AT, certamente, tinham consciência e aguardavam a fase final do mesmo processo para a Nova Aliança, quando a Igreja conheceria toda a verdade revelada pelos apóstolos e profetas do NT( Ef 2:20; 3:5). Essa revelação final e escriturada é o perfeito de I Co 13.10.
Na literatura paulina, profeta era ofício tanto quanto apóstolo (I Co 12.28). Há quem diga que a expressão “apóstolos e profetas” de Efésios 2:20 aplica-se ao mesmo grupo, ou seja, “apóstolos que são profetas”. Mas esta interpretação está errada porque Paulo faz distinção das duas classes de dons(I Co 12:28, 29; Ef 4:11), como ofícios distintos. Um outro argumento seria que profeta não poderia ser ofício porque está junto com outros dons que não ao ofícios (curar, falar línguas); mas esse argumento não é válido porque o ofício de apóstolo está na mesma lista também. O que mais importa é que em I Coríntios 14:37 os que profetizam são considerados profetas, e os que exercem outros dons são chamados de espirituais (aqueles por meio de quem o Espírito agia sem ofício). Isto é confirmado em Ef 2.20 e 3.5, quando Paulo cita os ofícios de apóstolo e profeta como sendo responsáveis por lançar o fundamento da fé da Nova Aliança. Sendo Paulo judeu, a sua visão de profecia é a mesma judaica. Não há no NT diferença de níveis de profecia. Assim Paulo destaca a profecia como ofício, diferenciando-a dos dons em I Co 14.37, quando fala de dois tipos de atividade do Espírito: se alguém se considera profeta (profetên, ofício), ou espiritual (pneumatikon, dons). Os últimos são aqueles que exercem dons sem ofício, e os primeiros exercem o ofício de profeta.  

Discernimento de Espírito (diakrisein pneumatôn)

A palavra diakrisei (julgar, discernir, distinguir) encontra-se em apenas 03 versos do NT, (Rm 14.1; I Co 12.10: Hb 5.14). Nesses textos o sentido é sempre de “distinguir”, “fazer separação”. Contudo, a palavra mais importante para se entender o dom de “discernimento de espírito” é  pneunatôn. Nos versos 8, 9, e 10 de I Co 12  a expressão diakrisei pneunatôn está entre os dons de palavra, de comunicação direta revelada. Em I Jo 4.1, o termo pneumata está relacionado com profecia, concordando com a mesma idéia de Paulo, que usa o termo pneunatôn no grupo dos dons proféticos. O termo pneunatôn, na verdade, é sinônimo de profecia. O dom de discernimento de espírito tem a ver com “inspiração”. Como a profecia era revelada, autoritativa, e inspirada, Deus deu um dom da mesma natureza do dom profético para julgar os pretensos pneumatikoi de Corinto. Somente um dom profético pode julgar outro dom profético. Ao povo comum não foi dado julgar profecias, mas somente àqueles que tinham o dom profético de discernimento de espírito. Como o caráter da profecia é de trazer revelação de mistério (I Co 13.2), um crente comum nunca seria apto para identificar a inspiração do profeta e de sua profecia porque ninguém conhecia o mistério. Somente o dom profético de discernimento seria capaz de identificar os falsários da revelação. A razão da existência desse dom era a novidade da revelação dos princípios e mistérios da Nova Aliança que ainda estavam sendo dados para formar o corpo da doutrina neotestamentária ou fundamento apostólico. A igreja ainda não conhecia esses mistérios, portanto não tendo tal conhecimento, os crentes comuns não teriam como julgar a revelação que ainda estava sendo dada em caráter de novidade. Por tratar-se de um dom profético, possivelmente esse dom era dado aos profetas exclusivamente. Se aos profetas foi dado o mérito de decidir a ordem de quem profetizaria primeiro (I Co 14.31), é possível que só os profetas pudessem julgar os pretensos profetas inspirados naquela época. A menos que existisse um dom profético para revelar a falsidade de uma suposta profecia ou mistério, toda a igreja seria enganada. Essa foi a época da formação dos livros apócrifos e pseudoepígrafos que reivindicavam inspiração. O exercício do dom de discernimento era aplicável, exatamente, para não permitir que houvesse na igreja apostólica várias fontes de doutrina supostamente revelada, reivindicando igualdade no corpo dos escritos apostólicos do Novo Testamento.

Variedade de Línguas (gene glossôn)

Nos versos 10 e 28, o nome do dom é “variedade de línguas” (genê – espécies, variedade, gêneros). O termo “variedade” aponta para uma idéia de distinção. As línguas eram distintas porque eram idiomas falados que podiam ser diferenciados.
AS LÍNGUAS NEOTESTAMENTÁRIAS ERAM REVELACIONAIS E ESTAVAM RELACIONADAS COM O PROCESSO DE ESCRITURAÇÃO DA DOUTRINA DO NOVO TESTAMENTO
PRIMEIRA PROVA: Era um dom entre os dons revelacionais.

A inclusão do dom de línguas no grupo dos dons que cessariam (I Co 13.8) constitui clara evidência que as línguas faziam parte dos dons revelatórios, pois os únicos dons previstos para cessação são os dons voltados para o aperfeiçoamento da doutrina da Nova Aliança.  Em I Co 13.8, Paulo resume a cessação desses dons em três palavras distintas: profecia (que encerra o apostolado, o profetismo, curas, milagres e discernimento de espírito), línguas (encerrando-se o dom de línguas e interpretação de línguas) e ciência (que encerra o conhecimento e a sabedoria da era  apostólica por meio extraordinário). Como esses dons tinham a função de revelar a verdade autoritativa e inspirada para a igreja de todos os tempos, bem como eram dons que na era apostólica traziam a verdade parcialmente (I Co 13.9), podemos concluir que depois de completada a revelação do NT, tais dons cessariam (I Co 13.8).

SEGUNDA PROVA Era um dom de conteúdo doutrinário

Em I Co 14.6 Paulo mostra que as línguas são um dom doutrinário, e que, por meio delas, a igreja deveria receber o mesmo conteúdo de profecia, revelação, conhecimento e ensino. Sendo assim, as línguas eram um dom que trazia acréscimo teológico à igreja quanto à doutrina da Nova Aliança. Infelizmente as versões da SBB mudaram a tradução desse texto, causando confusão na mente dos leitores. A melhor tradução desse texto é a tradução da Bíblia de Jerusalém, e a  NVI.7 Eis como a Bíblia de Jerusalém traduz I Co 14.6:
Supondo agora, irmãos, que eu vá ter convosco, falando em línguas: como vos serei útil, se a minha palavra não vos levar nem revelação, nem ciência, nem profecia, nem ensinamento?

Com esta tradução em mente, as línguas consistiam de um dom de conteúdo doutrinário. Uma outra prova disso, é o emprego que Paulo faz do termo “edificar” (oikodomeô), o qual só é empregado quando alguma coisa é acrescentada à mente (compare I Co 14.4,5 com 14.14,15). As línguas, portanto, deveriam edificar, ou seja, trazer conteúdo inteligível à mente (I Co 14.19).

TERCEIRA PROVAEra um dom semelhante à profecia

O dom de línguas não é inferior à profecia; esse dom quando interpretado tem o mesmo valor de profecia (I Co 14.5). Se as línguas correspondem à profecia, esse dom deveria ser de natureza inspirada. Isso pode ser percebido na primeira referência ao dom em Atos 2.4, onde o termo apofthegomai é empregado para a fala inspirada. Com este termo, Pedro deu total ênfase na idéia de que línguas consistia na “fala do Espírito” ( to pneuma edidou apofthegomai autoi). Esta expressão é correlata das afirmações proféticas do Antigo Testamento “Assim diz o Senhor”. Dessa forma, línguas consistem  numa manifestação profética na qual Deus fala ao homem.

QUARTA PROVAEra um dom de revelar mistério

Seria o dom de línguas um dom para falar mistérios com Deus? O que Paulo quer dizer em I Co 14.2-4?
O dom de línguas não foi dado para uso particular (esse é o argumento do apóstolo em todo o capítulo 14), pois os dons foram dados com vistas à edificação da igreja. Paulo fala da natureza das línguas, que naturalmente, Deus entende, mas o homem necessita de intérprete. Em I Co 14.2, a expressão “porque em espírito fala mistério” corresponde a uma má tradução das nossas Bíblias.8 O dom de línguas não é um exercício do espírito humano, mas uma atividade divina do Espírito Santo no homem (At 2.4: “passaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito dava o que falar”). A palavra mysterion (mistério) é a chave para entender o termo pneumati como o “Espírito de Deus”, pois falar mistérios é uma atividade divina (At 2.11). Alguns argumentam que o termo mistério é empregado para referir-se ao fato das línguas não serem compreendidas, tornando-se, assim, “um mistério” para quem ouve. Mas Paulo não afirma “falar em mistério”, e sim “falar mistério”, o que pode ser muito bem entendido à luz de Atos2.11, como “falar as grandezas de Deus” que estavam ocultas. A expressão “falar mistério” corresponde a falar o que estava oculto, e não falar em oculto, pois dessa forma, o dom de línguas não serviria para a igreja. O termo mysterion sempre está relacionado com a história da redenção (Ef 3:4-7) e com os dons proféticos nos três capítulos sobre dons espirituais, e nunca relacionado ao modo ininteligível de se receber uma informação, (I Co 13:2).  
É importante lembrar que o dom de línguas consiste num dos assuntos mais difíceis do Novo Testamento, e que além disso, nossas traduções não ajudam,  ao inserirem palavras que desvirtuam o verdadeiro sentido do texto.9       


Interpretação das Línguas (hermeneia glossôn)

Para uma boa definição desse dom, é necessário uma boa compreensão da natureza do dom de línguas. Primeiramente, é mister deixar claro que as línguas de Marcos (novas línguas), bem como as de Atos e as de I Coríntios são exatamente o mesmo dom. O uso indiscriminado de glossôn por dialektos em Atos 2  é clara evidência de que os apóstolos entendiam “línguas” como idiomas inteligíveis falados por nações gentílicas. Em nenhum momento as Escrituras do Novo Testamento fazem uso do termo glossa para designar línguas estranhas ao homem, como querem os pentecostais de nosso tempo.
O dom da interpretação (hermeneia) era um dom empregado para traduzir construções sintáticas de um outro idioma não conhecido pela assembléia. Tal dom era distinto do dom de línguas, pois também fazia parte das duas listas de I Coríntios. O dom de interpretação era um dom miraculoso, que acontecia sob a influência do Espírito.
Se um homem podia falar um idioma estrangeiro, por que ele mesmo não podia interpretar? Simplesmente, porque não era seu dom. O que dizia em língua estrangeira o dizia debaixo da direção do Espírito (At 2.4); se houvesse tratado de interpretar sem o dom de interpretação, teria falado ele mesmo, e não como o Espírito dava o que falar.10 

Como muito bem coloca Hodge, o dom de interpretação não era inerente ao dom de línguas, visto que era necessário que houvesse alguém com o dom de interpretar, ou o que falava línguas buscasse socorro divino para que houvesse interpretação (I Co 14.13). Se o falante não tem a tradução consciente simultânea, como qualquer pessoa que fale uma língua aprendida, é porque o falar das línguas não é um falar do homem, e sim do Espírito. Se for necessária uma assistência externa ou mesmo separada do dom de línguas para que haja interpretação, entende-se, pois, que a interpretação das línguas consiste numa manifestação divina e miraculosa do Espírito (I Co 12.11), em dar o entendimento do significado de palavras em um idioma nunca estudado. Se o que fala em línguas, o faz sem haver aprendido, o que traduz também o faz sob a direção do Espírito, sem nunca ter conhecido a língua.
O termo grego diermeneuô(interpretação)nunca pode ser aplicado àquilo que não faz sentido. Uma prova de que as línguas interpretadas eram idiomas sintaticamente perfeitos, é que no livro de Atos não houve interpretação das línguas faladas em Atos 2,10,19, e ainda assim, houve compreensão dos tais idiomas por muitos estrangeiros. Também é interessante notar, que as línguas de Atos 2 não foram compreendidas por todos (At 2.13). O dom de interpretação consistia, no exercício do Juízo divino, já ensinado por Jesus em Mt 13.10-12, que tinha o mesmo objetivo de falar por parábolas. Todos aqueles que não entendem a verdade de Deus, foram excluídos da graça. Em Atos, o dom de interpretação não está presente porque Deus tinha o propósito de excluir indivíduos no grande conglomerado de nações. Já em I Coríntios o dom de interpretação se faz presente porque se trata da comunidade dos santos (I Co 1.2), local onde se encontram os já selecionados pela graça. Sendo assim, as línguas não podiam ser exercidas sem interpretação, pois se isso acontecesse, significaria que a comunidade que não compreendesse o que foi dito estaria sendo excluída da graça. Esta é a razão pela qual Paulo diz que as línguas são um sinal para os incrédulos (I Co 14.22), pois só os incrédulos não compreendem as grandezas de Deus.
      Há ainda uma dificuldade com I Co 14:4 (“o que fala em outra língua a si mesmo se edifica...”). Se era necessário a presença de um intérprete, como poderia alguém usando o dom de línguas edificar a si mesmo sozinho? A resposta a esta pergunta é que possivelmente Deus dava o dom de interpretação também às pessoas que falavam línguas, (I Co 14:13). O erro que estava ocorrendo na igreja de Corinto era que esse espirituais que tinham o dom de línguas e podiam interpretá-las, estavam guardando a doutrina revelada só para si; essa postura foi veementemente reprovada pelo apóstolo Paulo.


I CORÍNTIOS 12:28

A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois, dons de curar, socorros, governos, variedade de línguas.”


Socorros (antilempseis)

        
         A palavra antilempseis ocorre apenas uma vez em todo o Novo Testamento, sendo importada da LXX para o NT com o significado de auxílio de Deus ou dos homens; seu sentido básico é “auxílio”, “assistência”, “ajuda”, “socorro”.
         O dom de socorro não aparece na primeira lista e sim na segunda do capítulo 12. É curioso que ninguém mais nas escrituras do Novo Testamento emprega este termo. Nem mesmo Paulo o usa em outros lugares. Mas isto não torna esse dom menos importante do que os outros dons, pois ele é de vital importância para a vida da igreja.
         A vida da igreja cristã, no primeiro século, é marcada por muita perseguição imposta pelo judaísmo, e depois pelo Império Romano. Os apóstolos e os líderes da igreja tinham a incumbência de gastar tempo apenas com a Palavra. Mas uma igreja perseguida é uma igreja marcada por profundas necessidades. Essas necessidades não eram coisas simples que todos podiam resolver conjuntamente. Como ainda hoje, somente uns poucos se interessavam pelas necessidades dos outros. Nesse contexto Deus não deixou sua igreja órfã de sua misericórdia e cuidado; levantou e vocacionou pessoas, por meio de seu Espírito, as quais gastavam suas vidas cuidando dos crentes semi-mortos da perseguição, de viúvas que perderam seus maridos e seu sustento; esses diáconos adotavam filhos que perderam seus pais, dando comida e abrigo aos mais empobrecidos pela ira dos inimigos de Cristo. Também tornaram-se cuidadores  das mulheres cristãs abandonadas por seus maridos pagãos.  Essa vocação era obra do Espírito porque eles viveram numa época em que tinham de ser audaciosos e muito corajosos para se envolver em causas judiciais do império, sofrendo perseguições e correndo risco de morte. Dar guarida a um “criminoso” ou “fora da lei” (como eram considerados os cristãos do primeiro século pelo império) era apoiar a rebeldia contra o poder de Roma. Ninguém teria coragem de arriscar diariamente a própria vida por outra pessoa, a não ser se fosse pelo Espírito de Deus. Graças a esse dom os apóstolos foram preservados em suas vidas várias vezes. Assim foram os diáconos da igreja primitiva. O dom de socorros foi exercido pelo ofício do diaconato desde os dias apostólicos (At 6), e essa tem sido a melhor interpretação desse dom desde Crisóstomo.

Governos (kiberneseis)

         A palavra kiberneseis é uma palavra raríssima na literatura do Novo Testamento, também originária da literatura da LXX. O substantivo era muito usado na literatura clássica para o piloto do navio, seu verbo era comum para a administração e o governo de uma casa.
O dom de governo não é tratado em nenhum outro lugar, a não ser nesta referência. Este dom é claramente distinto do dom de ensino (“palavra de conhecimento” ou “mestres”), também distinto do pastorado. Paulo poderia estar falando de presbíteros regentes, mas não há muitas provas para isto. Em I Tessalonicesnses 5:12 há alusão aos que “presidem”, mas esses são os mesmos que admoestam  (nouthentais), possivelmente é o bispo de I Tm 3.
        Há quem interprete I Tessalonicenses 5:17 como sendo dois tipos de presbíteros (docente e regente), mas o texto não dá segurança para isto por dois motivos:
a)  governar bem e ensinar são dois pré-requisitos que devem ser encontrados no bispo de I Timóteo 3, possivelmente em 5:17 Paulo esteja falando da mesma pessoa;
b)  a expressão paulina kalôs proistamenon(que governem bem) configura igualmente em I Timóteo 3:4 (para os bispos), 3:12 (para os diáconos), e 5:17 (para os presbíteros), designando apenas um bom governo ou uma boa liderança;
c)  tendo em vista o emprego acima citado, expressão kalôs proistamenon não pode ser empregada para classe de presbíteros, e sim para a qualidade de presbítero de governar bem;

Como o dom de governo está calaramente distinto do dom de ensino tanto em I Coríntios como em Efésios, Paulo certamente está aplicando kiberneseis a uma classe de oficiais distinta da dos doutores da igreja. Essa parece ser o melhor argumento para a idéia de um presbítero regente das igrejas reformadas, o qual era conhecido na igreja antiga de seniores plebis.

Teresina, 08 de dezembro de 2005.

NOTAS
i Pois dizer “anátema Jesus” seria dizer “nulo Jesus”, ou seja, nega sua existência histórica.
1 Hodge p. 223. Minha Tradução.
2 Hodge p. 223. Minha Tradução.
3 Hodge p. 226.
4 p. 227.
5 Idem.
6 O termo dynamei não se aplica, em todo o NT, a pessoas que não sejam Jesus e o grupo dos apóstolos; fora esses dois, o dom era usado somente pelos falsos profetas.
7 É importante lembrar que a NVI consiste numa tradução com muitos problemas em outros lugares.
8 Nos dois casos onde o termo pneumati aparece referindo-se ao espírito humano (I Co 14.14,32) vem acompanhado de pronome possessivo (pneuma mou) adjunto adnominal (pneumata profetou) que distingue claramente o espírito humano do Espírito de Deus.
9 Tomemos como exemplo a ARA, que insere o termo “OUTRAS línguas”, e algumas edições corrigidas (Versão da Imprensa Bíblica) que acrescentam a expressão “LÍNGUAS ESTRANHAS”, que não aparecem no texto grego. É possível que esses acréscimos sejam feitos para descaracterizar as línguas como dialeto e torná-las como algo estranho ao homem.
10 Hodge, p. 230.